A noite desaparece,
por fim. O dia amanhece e a luz do nascer do Sol irrompe pelo quarto a dentro.
Rasga pela persiana e pelos cortinados, desenhando rectângulos na parede. Estranho, o despertador não tocou… Fui eu
que me esqueci ou foi ele que se deixou dormir? Tenho que me levantar.
Afasto o edredom, levanto-me em direcção à janela e puxo a persiana até ao
topo. Chuva outra vez… Adoro estas
manhãs.
Voltei a sentar-me na cama. Passou mais uma noite e o cheiro
continua nos lençóis. Até no próprio pijama que tinha vestido. Nem acredito que almocei e jantei no quarto.
Se estivesse doente ainda me compreendia, mas por isto? Talvez esteja mesmo
doente… Que estúpido.
Para mim era tão difícil como
ensinar uma criança de três anos a cozinhar. Talvez a minha educação não tenha
sido tão moderna como deveria ter sido. Ou talvez a minha habilidade de ‘seguir
em frente’ precisasse de ser actualizada, novamente. Nunca compreendi o porquê
de nós, humanos, possuirmos uma capacidade que se contradiz por natureza: conseguimos
esquecer tão rápido quanto a duração de um simples duche, mas dois meses depois
estamos colados à almofada, a devorar a tinta do tecto. Cheios de questões e arrependimentos,
a fazer planos mentais de como poderíamos ter vivido de forma diferente, de
como poderíamos ter aproveitado. É claro que com tudo isso deixa de existir
espaço no nosso disco rígido, e como as coisas não tendem a melhorar, a nossa
‘reciclagem’ também deixa de poder armazenar.
Eu devia era de fazer uns abdominais, para ver se esta almofada
desaparece… Mas e vontade? Vou mas é fazer umas torradas. Tentava sempre
amenizar os meus pensamentos, preenchendo-os com alguma coisa que me mantivesse
ocupado, mas era sempre missão falhada. Por mais que eu me quisesse distrair
voltava sempre à imagem dela, ou ao som do seu riso histérico. Doce.
Imaginário. Penso que te imagino, sabes? Gosto de me ver a imaginar-te; a criar
momentos inesquecíveis em lugares paradisíacos, embora ainda não saiba se é
deles que gostas.
Escrevo-te, sabes? Tenho escrito
para ti regularmente. Tenho-o feito da parte de dentro da minha pele, mas
tenho-o feito. Faço-o porque se houver defeito, ninguém poderá ver nem notar.
Nem gozar. Nem apontar e criticar. Sabe bem escapar de tudo isso; de lutas
verbais contra os críticos. Fazermo-nos de fortes por vezes cansa, e eu não te
quero mostrar que sou forte. Quero-te mostrar que posso ser forte.
Sinceramente? Não sei. Não sei se
na tua mente, me incluís no grupo dos “Homens da noite”. Se me imaginas a
tentar engatar as “Mulheres da noite”, a oferecer-lhes bebidas e a dizer-lhes
frases excitantes aos ouvidos. Com a mão na cintura delas e os lábios, nos
lábios delas. Se me imaginas a escrever coisas bonitas a todas as que acho
‘interessantes’, a seduzi-las com poemas e textos amorosos.
Sinceramente? Não sei, se me
imaginas de todo. Se chego alguma vez a passar pela tua mente, no teu
dia-a-dia. O tempo é longo, não é curto como dizem. E eu gosto de olhar para
ele com calma e serenidade. Gosto de lhe olhar e observar como gere o seu
negócio. O meu por vezes vai à falência, e não são muitas em que há um balanço
positivo. Não tendo a fazer demasiados investimentos, tenho receio que dê para
o torto, ainda mais do que tem dado. Mas tem vezes, em que me dá vontade de
vender tudo e arriscar no meu instinto. No entanto, não o faço. Fico sempre
zangado comigo próprio por não o ter feito e a desilusão, aloja-se. Parece tão
cliché, não é? Tão cliché como outrora era entregar flores. Onde o cortejo era
nas festas, nos bailes. Homens de um lado, mulheres do outro. Levantava-se um
homem e escolhia uma das mulheres, nenhuma recusava. Porque dançar era mais
lindo e dava mais gozo do que meros estatutos ou aparências. Só depois é que
vinham as flores, no “2º encontro”. Não te entrego flores porque acharias
ridículo. Portanto, invés disso, escrevo-te. Estas letras são para ti. São as
minhas rosas, para ti. Guarda-as com carinho. Deixa-as apanhar Sol e não te
esqueças, de lhes dar água de vez em quando. Não as deixes murchar, porque
afinal de contas, são parte de mim.
Gostaria de te imaginar a imaginar
que sabes, sabias? Que nunca fui de eleições, de escolhas e selecções. Que
sempre me dirigi com intenções de eleger o melhor, dos corações. Que de
reflexões sou cheio e de decisão a decisões lá me divido, metade vontade metade
bloqueio. Receio portanto, que seja isso que me condiciona. Não que a poltrona
seja o meu sofá, ou a minha cama, mas quem fará com que um pijama comprado pela
mamã se transforme, num smoking? Tornar-se-ia estranho e desconfortável, certo?
Quase sempre me senti assim, numa dúvida. Num nada.
“Nada…”. Tudo de nada, tudo da palavra nada. Letras de
empreitada sem sabor algum, sem caldo ou tempero. Visto de fora, é comum. Nunca
fui número um e isso é visível à distância de planetas. É como o pão: cortamos
sempre uma fatia a mais em caso de futura vontade, que na maioria das vezes
volta para dentro do saco transparente. Sabemos que dura mais uns dias, é por
isso que o fazemos. É por isso que me divido sempre mais um bocado. Mas não é
pelo domínio da ingenuidade, é pela esperança de que alguém entre na cozinha,
olhe para o saco, repare na fatia e lhe dê vontade de a comer com nutella.
Gulosice de restos, é o termo.
Oh, merda… Estás a ver o que me fazes? Queria ditar-te algo e começo por falar
em pão e nutella… Parecido, suponho. Mas bem, meu bem, sei que também tens cem
palavras para mim, não é? Então, levanta o pé e pousa-o mais à frente. Levanta
o esquerdo e pousa-o à frente do direito. Repete com o direito. Repete com o
esquerdo. Caminha em frente, para a minha frente. Deixa-me olhar para ti
enquanto isso, és tão elegante. Adoro o teu movimento. Adoro ver-te caminhar.
Misturas-te com o vento e com o meu olhar. Quando sorris não há sorriso que se
contenha em mim, posso afirmá-lo enquanto por fim me dás os lábios. Sabes a
doce, a guloseima. Sabes a nutella, minha bela. E queima, quando entre o pó sou
forçado a escrever-te em vez de te o dizer, frente a frente. Nariz a nariz,
minha esquimó.
Bem, tudo para isto dizer que sim,
vou às festas todas onde me queres presente. Vou onde tu quiseres, noite atrás
de noite. Mas por favor (se não for pedir muito, claro), deixa-me ir com o
pijama vestido por baixo e de chinelos calçados. Prometo cortar as unhas.
Mas bem, meu bem, sei que também tens cem
palavras para mim, não é?