Sou um escritor da treta.
Pode até parecer idiotice, mas tenho mantido a mesma caneta
comigo. Desde o início, até hoje. Até agora. Por vezes falha, não vou mentir.
Tem dias em que se arma em chata e decide escrever em braile, vai-se lá
perceber o porquê. Mas a verdade é que tem permanecido cá, comigo, até hoje.
Até agora. No entanto, não diluí a certeza de que sou um escritor da treta.
Não sei escrever. Não me sei escrever. Não te sei escrever
nem nos sei escrever… Embora esteja habituado a esta espécie de ervas daninhas
que me consomem a imaginação, imagino-te. Tenho-te. Sinto-me feliz por teres
deixado a tua gargalhada comigo, permite-me imaginar-te. Permite-me ter-te.
Permite-me permanecer o que sempre fui. Mas o mais importante: Ajuda-me a
manter os pés longe daquilo a que chamo de areias movediças. De um corpo
inanimado com a mente à deriva, a boiar em pensamentos esterilizados.
Sentimentos monocromáticos. Esse teu sorriso desdentado obriga-me a lembrar-me
a lembrar-te. A acenar-te quando entro pela porta da frente, da nossa casa
mágica com quatro piscinas às cores.
Chega a uma altura das nossas vidas, em que nos dizem que
temos que seguir em frente. Aprender a viver a vida e a ultrapassar os
problemas. Está errado. Está tão errado como o pensar que devemos saber
fazê-lo, que nos pode ser ensinado. Eu não quero saber escrever. Não te quero
saber escrever e muito menos irei querer, saber escrever sobre nós. Não quero
deixar de riscar e escrever ao lado, ou por cima. Não me interessam técnicas ou
tão pouco referências literárias. Não me interessam ensinamentos. Não quero
aprender a viver.
Chega a uma altura das nossas vidas, em que desejamos que
alguém dê pela nossa falta. Está correcto. Faz-nos sentir certos quando nos
procuram. Faz-nos sentir que estamos cá, presentes. Que não fazemos só parte de
um livro escrito por alguém que sabe escrever. Que nos soube escrever. Já eu,
não o sei. Só te sei a ti e de alguma forma, parece confortar-me. Parece agradar-me
ao convencer-me que o faço de forma errada.
Queres saber uma coisa, Anna?
Eu sou um escritor da treta. Sou. Tenho que admiti-lo e nada
melhor do que uma plateia de grilos para o testemunharem, a esta hora da
madrugada. Tenho uma dezena de cadernos cheios de letra feia e outra meia dezena,
preenchidos com poemas enfadonhos e rimas ridículas. Todos rabiscados numa
tentativa impotente e desgostosa de descrever o que é a dor, e o amor.
Convenço-te se te disser que és as linhas mais bonitas que um caderno pode ter?
Não cores, minha pequenina. És a minha melhor memória. A minha melhor história.
1 month, darling. I'll be up there in a minute, I promise.
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