quinta-feira, 22 de abril de 2010


São 8 da manhã, o Sol já trespassa os vidros da minha janela, embaciados da noite fria que passou.
Tenho os estores abertos, esqueci-me de os fechar antes de me ir deitar, talvez seja por isso que sinto a cara quente, quase que queima.
À minha volta sinto várias presenças, a sussurrarem sobre algo.. mais parece que conspiram contra mim. Errei, devia ter fechado os estores.. não o fiz e agora, tenho identidades sinistras que rondam a minha cama.
Sinto-me estranho, tenho uma vontade enorme de me levantar, sair porta a fora, e inconscientemente, deitar o meu corpo sobre aquele campo florido. Tenho vontade de me fundir com os espinhos das mais venenosas rosáceas, que no cimo daquele monte plantam as suas raízes.
Por momentos, sinto também o desejo de me perder nos cheiros do campo florido. Fecho os olhos, e perco-me intensamente naqueles pólens que esvoaçam pelo ar.. Numa questão de segundos, deixo de sentir a cara quente, deixo de sentir a luz intensa que me queimava a pele. Por curiosidade, abro estas pesadas pálperas vagorosamente, muito devagar.. A luz intensa desapareceu, sobraram vultos e sombras que agora se debruçam perante mim, engolindo a minha respiração, sugando a minha alma, tirando a minha vida, roubando-me o direito de morrer como eu um dia iria desejar. A cada suspiro de desespero que dou, vou-me sentindo cada vez mais leve, cada vez mais ausente deste mundo. Vejo tudo a desfocar-se sem sentido, cada imagem que a minha vista demente captava, faz agora parte de fragmentos que se dispersam por todos os lados, girando e tremendo como um terramoto intenso. Por fim, vejo tudo a cair sobre este campo florido, como pesos mortos, imóveis. No cimo da colina, onde nela reside as mais venenosas rosáceas, vejo nascer fumo. Fumo que geme de ansiedade mal me vê. Disparou. Arrancou com uma velocidade incrível e vem direito a mim ! .. Permaneço imóvel, e o fumo parou à minha frente. Os meus ouvidos zumbem intolerávelmente, os meus olhos fixos permanecem. Fecho os olhos, na esperança de que tudo isto seja apenas um sonho. Ganho coragem, inspiro e expiro fundo ao mesmo tempo que dou vida à minha visão. O campo florido, as rosáceas, foi tudo um sonho, realmente foi tudo um sonho.. Agora tudo arde, o céu está preto avermelhado e as rosas derretem com a acidez do ar, pegando fogo a todo este campo florido, que nunca existiu..
Agora entendo. Entrei apenas na minha mente, menti-me a mim próprio sobre a pessoa que sou, mas não me consigo enganar mais.. Os mais belos campos floridos que crio interiormente, pouco a pouco, vão-se desmoronando, revelando a realidade suja e crua, ardentemente verdadeira.

Sou como sou,
E a mim mesmo não me consigo negar.
Estou onde estou,
E aqui estarei sempre..
Sobre estes meus campos,
Que nunca conseguirei encantar..