sexta-feira, 20 de maio de 2011

Survivor


No meio de tantas explicações subjectivas, de tantos termos e frases metafóricas, no meio de tanta frase bonita e bem constituída, no meio de todas estas palavras que muitos acham fúteis, eu encontro-me com prazer. Encontro-me em plena sintonia com o corpo e a mente. Com o coração, esse que outrora se contorcia todo com um desejo monstruoso a cintilar nas suas íris, acalmou. Finalmente encostou-se à confortável poltrona que, juntamente com o resto do imobiliário, enfeita o maior dos salões existentes nesta minha casa.
Por cima das portas de vidro desse salão, na faixa de madeira, encontra-se, escrito a encarnado, o teu nome. Nome esse que no passado foi muito pronunciado, por mim. No presente, nos dias que passam hoje, nas horas que correm, nos minutos que saltam e nos segundos que esvoaçam, é pronunciado não com tanta frequência mas com bastante mais firmeza, com bastante mais clareza. E talvez isso seja fruto de tudo o que fiz: de todas as jogadas, de todos os erros, de todas as coincidências.
Confesso que um dos erros que cometi, foi o que mais me deu trabalho a planear, o que mais me ocupou a cabeça com uma coragem que obrigava não só a afastar-te, como a deixar-me cair num poço cheio de culpas e remorsos. Afoguei-me nele, e ao afundar-me cada vez mais, a tua presença no topo desse poço ia-se tornando cada vez mais distorcida. Mas ainda bem que o fiz, ainda bem que me afoguei e que te afastei propositadamente. Ainda bem que nos deixei crescer como pessoas. Se olhares para trás, e comparares com o que és hoje, com o que sou e com o que fui, embora não concordes, reconhecerás o quanto crescemos nas nossas vidas. O quanto os nossos salões foram crescendo. Pessoalmente e honestamente, digo que, nunca tive, não tenho e nunca terei um salão tão grande como o que tu construíste dentro de mim.
Passou muito tempo, isso é um facto, mas o que também considero um facto é o facto de que as portas da tua grande sala nunca se terem fechado. Entreabertas, emanando pela casa a fora, um cheiro inconfundível, permaneceram sempre assim, entreabertas.
Como referi passou muito tempo, mas mesmo passando tanto tempo, o maior salão da minha casa permaneceu intacto. E numa noite não muito distante dos dias que passam hoje, ouvi o volume de uma música ser aumentado. Saí do meu canto e segui a melodia, que tocava de forma suave e doce. Vinha da grande sala; abri as portas, já entreabertas, e senti. Senti o teu cheiro a envolver-me, senti as memórias a confortarem-me por completo. Senti-te.
Entrei, e sentei-me no chão, de luzes apagadas e com um lápis e um caderno a cintilarem nas minhas mãos. Meti o lápis entre a mão, e rabisquei o caderno:


Passam anos, renasce a vontade,
Uma realidade que já ultrapassa a irmandade.
Mas tornou-se verdade, mesmo sem planos,
E com honestidade desejo que não haja danos;
Sem enganos, escrevo de coração,
Com a pura emoção que renasça relação;
Uma continuação, um muro mas duro,
Pois hoje sou maturo para construir um futuro.




Agora peço-te, e juntamente a este pedido peço também a mim próprio: Não deixemos este salão apanhar pó e envelhecer. De mim, aqui vai a electricidade que precisas, para manter o salão aceso, mas desta vez, de janelas e portas completamente abertas.