quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Indigência.


Doem-me as mãos. Sinto os dedos a latejar, cada osso a congelar. A caneta a petrificar. 
Aborreço-te se tocar à campainha? Bato à porta, se assim preferires. Não quero é que te aborreças, por minha causa. Que tenhas que pôr em pausa os teus desenhos animados favoritos. Os meus preferidos, durante duas semanas. Aborreço-te se te aborrecer com isto? Com as “as minhas coisas”, eu sei. Desculpa, minha pequenina. Prometo ser breve.

Tenho-me sentido leve, sabias? Tenho-me sentido bem, nesta ausência insubordinada entre o teu carinho, e o meu. Tenho pisado e saltado de nuvem para nuvem, mas, infelizmente tenho que descer quando o Sol sobe.
Hoje lembrei-me de ti. Aborreço-te? Olhei para as fotografias à tua procura e só depois é que me apercebi, que já não te tinha lá mais. Só depois, é que a minha garganta se enrolou como um nó à marinheiro. Apaguei o teu físico das minhas lembranças físicas e custa-me o mundo, saber que o fiz. Eventualmente vou esquecer o teu sorriso traquina, mas nunca do número de dentes que te faltavam. Nunca. De ti, nunca.

A madrugada vai a meio e eu já estou a mais de meio caminho, de me manter o restante meio, acordado. Enfiado nas mantas, atordoado. Agarrado à caneta a tentar que ela aqueça. Se continuar gelada, que me esquente o coração, pelo menos. Posso pedir-te que quando os bonecos acabarem, que passes pelo hall de entrada e retires as cartas do correio? As últimas que te enviei voltaram para trás. Deve-lo ter deixado chegar ao limite. Deve estar entupido.


Sinto imenso a tua falta. Sabes disso, não sabes? Espero que sim.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Dark room, no cameras. Pt - II

Tenho frio.

Lembro-me do teu nome tantas vezes... Mais do que aquelas que me obrigam a dizer o meu, embora me esqueça sempre de referir o último; André, apenas. Basta? O meu subconsciente diz que sim, que não preciso de me desvendar mais, perante ninguém. Di-lo com as sílabas do teu nome penduradas ao pescoço, escritas com cor de limão, num placar fino mas enorme. Tão grande que lhe obriga a caminhar desajeitadamente, na minha direcção.

Acreditavas se te dissesse que nunca o cumprimentei? Nem um Olá ou sequer um Bom Dia. Vejo-o imensas vezes na avenida, do outro lado da estrada. Levanto o braço mas finjo que arregacei a manga; não me fala. Não nos falamos. Hoje decidiu fazê-lo, surpreendeu-me. Agarrou-me no braço, cravando as unhas na minha pele e proferiu em tom rouco:

- Agora é a tua vez de o envergares. – Disse, baixando a cabeça para que pudesse retirar o placar. – Fá-lo emblema. Passa com a caneta no rebordo de cada letra, todos os dias de manhã. Sem falhas! Lembra-te que se não o fizeres, retirar-to-ão, sem quaisquer tipos de aviso prévio.
Tremi. Senti-me como se estivesse em cima de um escadote no topo de uma montanha russa. Mordi o lábio para voltar à realidade mas, nem sequer cheguei a sair dela.
…És tu?



Tenho frio. Trouxe algumas páginas do teu caderno secreto comigo, para a varanda. Espero que não te importes. Espalhei-as em cima da cama, ao meu lado. Estou de barriga para baixo com as pernas no ar, de tornozelos cruzados. Normalmente doem-me os cotovelos nesta posição, mas hoje não. Surpreendentemente não sinto qualquer dormência, física ou psicológica. Costumo até mordiscar a ponta da caneta, mas hoje, não. Passo-a pelos lábios sem dar conta de que, pelo menos, já tenha passado os olhos pela tua caligrafia ínfimas vezes. Está escuro e só tenho o ecrã do portátil a franzir-me os olhos, mas consigo lê-la. Consigo ler-te. Consigo ter-te.

Prometi-te frases escritas a fluorescente mas acho que vou quebrar a promessa. Não aguento. Tenho toneladas de tinta pré-fabricada por ti a rebentarem-me as paredes desta fábrica vermelha, em forma de coração. Gritam por página atrás de página com números próximos dos três dígitos.
É aqui que eu me perco, por ti. Por mim, nos meus pensamentos por ti. Tenho mais de ti em mim do que aquilo que tu possas imaginar; uma manga em cada braço, tatuados, trabalhando em equipa. Um agarra no caderno, o outro escreve. Um agarra-te no queixo, o outro puxa-te na minha direcção. Um mima a tua nuca, o outro desliza na tua bochecha.


É desta que abrimos as persianas?
É desta que te sinto?