terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Corvo.


Esvoaço.
Camisa de mangas compridas; arregaço?
Perdido num espaço sem espaço para lúcidos. Embaraçosa, a minha postura.
Ela vestida de poesia e eu, de prosa tamanho XL. Poliéster em segunda mão que nas horas de maior calor me irrita a pele, e a alma.
Transpirasse eu calma, quando me fervilhas o peito.
Já com os pés descalços pedes-me que vá lá para fora, fumar ao parapeito.
Eu respeito.
De mangas arregaçadas, debruçado no 3º andar, mato o segundo cigarro.
E ponho-me aqui a pensar...
Será que se eu tirar primeiro as tuas calças, vais voltar a pedir-me o isqueiro?

domingo, 14 de agosto de 2016

Ressonância.


Apoio a desavença entre o metafórico e o científico. Não tenho prensas que prensem as palavras, sou um escritor com doenças.
Sofro de parágrafos desalinhados e linhas inteiras riscadas.
Sofro de anemia vocabulária;
Pneumonia literária.

À noite, sonho o dia e, de dia,
Sofro pela miséria de caligrafia que vou ter no próximo dia;
No dia seguinte - respiração solene,
Pele fria,
Se tivesse os pés quentes
A caneta nunca escreveria.
Bafo gelado, sinto-me um lobo no meio dos lobos,
Bato no peito e o bafo no peito responde com eco
Que nem o oco se ouve.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Aneurisma.

Folhas pálidas, não me despertam vontade.
Pouco presente.
Odor nauseabundo a ausência. De mim?

Pouca abundância de vontade e dormência dos membros superiores.
Ausência de odores que as dores libertam. Já nada liberta nada.
A falta de horrores tornou-se na constante presença, de horrores.
Poucas cores. Pouco presente.


segunda-feira, 9 de maio de 2016

Local.

Não me afogo na tua imagem. Afogo-me nas palavras, que escrevo para ti. Não fosse eu ser tão bom nadador-salvador quanto a minha caneta que, quando te metes em sarilhos, lança a bóia. Que te arrasta para fora de um mar de riscos e te seca o cabelo, com outra página.



O aroma é o de um rebuçado de café. Já velho e sem cor, colado à secretária, embrulha-se e encaixa na perfeição com o padrão deste quarto: Pálido.
Não sou de doces nem quero que me adocem os poros, mas a ausência de açúcar proporciona-me tranquilidade.
Talvez a falta de sensibilidade ortopédica justifique a minha apatia sanguínea... Ou talvez não.



terça-feira, 19 de abril de 2016

Página 18.



O fluxo parou. A morfina fez efeito. Ainda sinto a enzima que outrora me proporcionava deleito.
Porque me deito?
Por quem me deito?
A morfina ainda está a fazer efeito. Não sei como, mas o fluxo continua estagnado.
Como é que eu vim aqui parar?

Noite sim, noite não, deixo-me levar pela inaturalidade. Ou pela naturalidade inexistente. Ou pelas palavras inventadas pela minha mão direita. Nem a minha cama está direita… Fora de sítio nada paralela a uma parede pouco ou já nada encarnada. O quadro com a fotografia de Nova Iorque está praticamente na vertical… As cortinas não estão corridas. Os estores continuam a não ser colhidos. Faz tempo que esta divisão onde pernoito não respira ar fresco. Há largos meses, que não inala outra coisa a não ser dióxido de carbono. Sinto-o embriagado.

Sinto o caderno às borbulhas. Tenho receio de rebentar uma bolha e de o transformar numa bola de sabão. A pressão em cada traço delineado nunca foi tão bem medida, como é agora. Passei horas a procurar no teto por pequenos salpicos mas, aparentemente, esqueci-me de que este meu pequeno caderno não se abre por quem não o abre.
Hoje, surpreendentemente, abriu e para meu deleito, tenho tinta na esferográfica. Sinto que ela quer que eu quero que ela te sinta.
Hoje estico o amarrotado. Hoje, desenleio-nos.

Tenho saudade que me preenchas a palma da mão. Que me separes os dedos e sintas os meus ossos literários.
Tenho saudades de sentir saudades quando acordo de manhã.
Tenho saudades de mim, quando te tinha. Quando nos tinha.




Já te disse que a minha mente tresanda a mofo?

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Mindset.


Já não te lembras... Desde quando?
Hoje desmembras a vontade e sabes a um brandy brando;
Sabes a um terreno que não passou pelo poisio,
A um veneno que outrora foi sereno como as águas do nosso rio.

Respira, o mundo só retira a quem lhe tira,
Só volta a inspirar aquele não expira ira;
A mira não é tão ampla assim,
Miras a campa, mas o alvo é o mundo com um poço sem fim.

Congelas-me com o teu frio, sabes a baixas temperaturas,
És as mangas do meu casaco mas não encaixas nos meus braços nem tampouco os seguras.
É um aspirador de momentos,
Uma sanguessuga de pensamentos,
Tão dependentes de lamentos que não plantamos sementes,
Não colhemos rebentos.

Rebenta a bolha, a vida não passou do papel,
Uma rúbrica na folha tem que ser feita com tudo, menos com uma caneta a gel.

sábado, 26 de março de 2016

Mofo.


Ardem, no vazio, chamas monocromáticas. Labaredas geladas que transcendem o seu próprio espaço. Sinto-me como o hall de entrada de uma casa despida no coração da cidade. Doem-me as paredes, e as portas. Doem-me as maçanetas semibrancas, manchadas com a saudade do suor de quem as segurava. 
Dói-me o sangue. 
Sinto arrepios nas cortinas por cada passada larga que dão lá fora, na calçada. Ninguém chega a espreitar e, por cada alma tentada a janela é trancada. Não é que tema em ser hospitaleiro mas o que vem primeiro é o cheiro, e a minha mente tresanda a mofo.
De luz apagada, respiro.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Náuseas.

As probabilidades são muitas de sermos muitos a querer ser poucos. São demasiados os loucos demasiado loucos a quererem ser poucos no meio de um muito pouco. Ou de quase nada.

Mágoa. Magoa quando ecoa ou só ecoa quando magoa?

Estou internado em mim próprio. Aparentemente, quis ser vadio de uma sanidade que só existe planeada. E aqui, a realidade não se acrescenta à realidade. 
Até o bafo no cigarro, é teatral. Dá-me náuseas, a chama do isqueiro. 
Dão-me um novo a cada duas semanas, mas… eu nunca quis um novo. Assim como os lençóis; trocam-mos a cada dois dias.
Trocam-me a cada dois dias. Como se as pilhas que me embalam durante a noite não aguentassem um sonho teu… ou um sonho meu.

O meu corpo é um hospício. Sinto indícios de dependência de coerência. 
Não me oiço. Perco o controlo a cada golo de rimas que dou em seco. A caneta é de ocasião e o caderno, extrínseco. Não me enchem a chávena e o número de colheres, é incorrecto. Aqui tudo tem medida, até a vida.
Também não tenho secretária. Se a tivesse, seria para te imaginar nela, debruçada a apoiar o canto esquerdo dos lábios na manga da camisola que tantas vezes, inconscientemente, agarras com os dedos.

Serei louco por parecer louco?

A cantina está cheia. Sou sempre um dos últimos a chegar e um dos primeiros a ter a comida fria. Tenho sempre lugar ao pé da janela, até hoje ainda ninguém se atreveu a sentar-se lá. Aqui o ambiente é agradável, sempre foi. Ninguém fala com ninguém e o único ruído é o dos talheres a rasparem os pratos. 
Aqui, ninguém grita.




Saber-te é muito pouco,
Para um tanto que já foi meu;
Sem caneta, sou apenas um rouco
Que ficou louco.
Que não gritou que era teu.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Lies.




Pronuncia,
Mas em demasia nos pulmões,
A demasia de emoções
Que te servem de guia.
De noite a dia,
De Lua a Lua.
Faz valer a cria
Que o teu Sol meteu na Rua.

Paradoxos,
Nesses remorsos que dizem ter.
Desconheces são as preces
Que à noite dizem fazer.
Poços de ideologias,
Cheias de alergias e manias;
Levam dias a beber chá e a falar como tias,
Com as tias.

Que dirias,
Se te perguntassem quem querias?
Escolhias as mais calminhas, certo?
Claro... mentias.