quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Grotesco.

A minha estrutura de suposições fica transparente, aquando o meu contacto visual. Numa visão periférica nota-a, sei que ela está lá. Mal empilhada, cresce de dia para dia com despejos desrespeitosos, pálidos de emoção. Sinto a sua presença atrás de mim, quando me sento na cadeira com estofos de cabedal preto, à beira da secretária. Nunca este quarto me acolheu tão bem assim, antes.
Confesso que gostava de possuir um paladar suficientemente requintado, um que me fizesse apreciar um copo de conhaque, acompanhado de duas pedras de gelo. Que me fizesse apreciar da sua companhia enquanto permito que as sombras me abracem as costas, e os ombros. Enquanto fecho as pálpebras consumindo os olhos num acto de canibalismo grotesco. Enquanto me entrego a um mar de emoções desagradáveis ao submeter a minha coluna à dor de estar curvado, ou quase deitado, na vida.
Por vezes pergunto-me se a lâmpada do candeeiro ainda funciona. Já lá vão tantos anos sem a ligar. Acho que a porta encostada, com a luz do corredor a iluminar-me o quarto tem sido sempre o suficiente. Não nasci sendo propriamente fã da luz, as minhas pupilas escuras que o digam. O meu cabelo despenteado que o diga. As minhas roupas escuras, que o digam. A minha vontade negra, que o diga.
Nunca lhe disse, mas gosto imenso quando a minha mãe passa pelo corredor para entrar no quarto dela e, apaga a luz. Faz-me pousar a caneta, e numa escuridão total contemplar o que de dentro de mim saiu. Pego-lhe bruscamente e atiro-a sem respeito algum para o topo da estrutura. Agora invisível aos meus olhos, não sei dizer a sua espessura. Acabo por me afastar virando-lhe as costas, deixando a cadeira fora de sítio. Sei de cor quantos passos são precisos até à porta, mesmo no escuro.
Foi só mais uma folha. É só mais uma noite.