terça-feira, 19 de abril de 2016

Página 18.



O fluxo parou. A morfina fez efeito. Ainda sinto a enzima que outrora me proporcionava deleito.
Porque me deito?
Por quem me deito?
A morfina ainda está a fazer efeito. Não sei como, mas o fluxo continua estagnado.
Como é que eu vim aqui parar?

Noite sim, noite não, deixo-me levar pela inaturalidade. Ou pela naturalidade inexistente. Ou pelas palavras inventadas pela minha mão direita. Nem a minha cama está direita… Fora de sítio nada paralela a uma parede pouco ou já nada encarnada. O quadro com a fotografia de Nova Iorque está praticamente na vertical… As cortinas não estão corridas. Os estores continuam a não ser colhidos. Faz tempo que esta divisão onde pernoito não respira ar fresco. Há largos meses, que não inala outra coisa a não ser dióxido de carbono. Sinto-o embriagado.

Sinto o caderno às borbulhas. Tenho receio de rebentar uma bolha e de o transformar numa bola de sabão. A pressão em cada traço delineado nunca foi tão bem medida, como é agora. Passei horas a procurar no teto por pequenos salpicos mas, aparentemente, esqueci-me de que este meu pequeno caderno não se abre por quem não o abre.
Hoje, surpreendentemente, abriu e para meu deleito, tenho tinta na esferográfica. Sinto que ela quer que eu quero que ela te sinta.
Hoje estico o amarrotado. Hoje, desenleio-nos.

Tenho saudade que me preenchas a palma da mão. Que me separes os dedos e sintas os meus ossos literários.
Tenho saudades de sentir saudades quando acordo de manhã.
Tenho saudades de mim, quando te tinha. Quando nos tinha.




Já te disse que a minha mente tresanda a mofo?