quinta-feira, 25 de junho de 2015

Invólucro.


- Não tenho tempo para nostalgias! – Prefiro achar que não tenho tempo do que ter tempo para achar que o tenho. Não te desenho numa tela porque não tenho tempo para tal… Mas quero que saibas que, se o tivesse não te desenharia na mesma. A minha habilidade para tal é péssima ou quase nula, e mesmo que eu fosse o melhor artista à face do planeta, não te desenharia na mesma.


Sou filho de uma herança indígena, pouco dada a manhãs alegres. Passadas duas décadas não posso dizer que encontrei o meu lugar. E de facto ainda não o encontrei, de todo.
Sabe-me a pouco quando as pálpebras descem, nunca foram de boa voz e o seu conforto é longe do ortopédico. Não me aconchega os olhos e o peito muito menos. A pulsação é abaixo dos 49 por minuto e o bocejo, vem de semana a semana. Isto é tão característico que a falta de semântica provoca-me apatia torácica. Ou uma espécie de amígdala sentimental. Tenho o sono mudo, não lhe ouço a aflição. É tudo um sonho morno e eu não adormeço sem uma ejaculação. Pernoito num mundo ficcional, rodeado de asmáticos por novelas e nenhuma delas tem um intervalo estipulado. Uns viciados sem a simbiose com o pecado. Já eu, sou de mim próprio: o Padre de mim mórbido e o Diabo de mim sóbrio.

Eu sinto o ambiente diferente. Estou habituado a chegar a casa e a ouvir vozes de outras pessoas a falarem línguas estrangeiras. É sinal que o meu pai cumpre a sua rotina nocturna, fixado nos filmes de guerra que preenchem as madrugadas na televisão. Quem o acompanha nessas viagens cinemáticas é o Rex, na maioria das vezes de olhos fechados e com o focinho em cima da coxa do meu velhote. Sempre achei ser dono dele, mas na verdade é mais do meu pai do que alguma vez foi meu.
Adiante, adiante!

Para crescer, precisei de encontrar sossego no desassossego dos meus suores. Comecei por: à luz do dia, morder o lábio inferior e a estalar os dedos das mãos, numa tentativa de continuar a estar ciente sobre o que significa ser sóbrio. Mas os dias tornam-se mais curtos, aparentemente. Dou por mim no quarto a coçar os braços, com a televisão ligada mas estagnada no Jornal da Noite. O noticiário dura cada vez menos, aparentemente. Nunca gostei de muita luz mas não me atrevo a roubar a voz ao meu corpo. Contento-me com a luz do relógio-despertador, que por acaso hoje é só relógio. Contento-me com o barulho de nada a desmanchar-me os cortinados. Contento-me com o arrepio gelado no pescoço, e nos nós dos dedos dos pés.
Contento-me e peço por mais, até.

Para crescer, precisei de estar de olhos abertos durante o pesadelo. De saber quantos dedos tinham as mãos do demónio que desaconchegava e adulterava os meus sonhos. Para crescer, precisei de me sentar na cama durante a madrugada no meio da escuridão e, suster a respiração. Para crescer, foi preciso a luz do candeeiro se fundir quando o liguei às quatro horas da madrugada, encharcado em suor e medo.




Sim, é. Sou de mim próprio..